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Um tsunami econômico europeu pode atrapalhar a recuperação dos EUA

Desmond Lachman
Dalibor Rohàc

Em 2007, o presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, passou a maior parte do ano garantindo aos mercados que o problema das hipotecas sub-prime dos Estados Unidos seria contido. De uma maneira bastante similar, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, está agora garantindo que a crise da dívida soberana da Europa não representa uma ameaça significativa para a economia europeia como um todo, e muito menos para a economia global. O governo norte-americano faria bem em não dar muito crédito às afirmações confiantes de Trichet e se preparar para um tsunami econômico europeu que muito provavelmente atrapalhará seriamente a frágil recuperação econômica dos Estados Unidos. Entre os sinais mas evidentes de que o arranjo monetário europeu se aproxima do fim da sua vida útil está o fato de os os governantes serem obrigados a negar veementemente a possibilidade de qualquer modificação desse esquema. Nesta semana, quando a Irlanda embarcava em um programa de austeridade extremamente impopular, a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, emitiu um sinal claro para a União Monetária Europeia. Ela fez isso ao liderar um grupo de governantes europeus para que estes afirmassem ser impossível conceber que qualquer país membro da organização venha algum dia a abandonar o euro. Apesar das garantias de Angela Merkel, os mercados permaneceram singularmente incrédulos quanto à possibilidade de que os hipertrofiados pacotes de auxílio econômico do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia a uma Irlanda e a uma Grécia em dificuldades políticas impeçam que esses países acabem dando um calote nas suas dívidas soberanas. Ao contrário daquilo em que os governantes europeus gostariam que nós acreditássemos, os acontecimentos na periferia da Europa no último ano estão corroborando o profundo ceticismo manifestado por Milton Friedman em relação ao euro, algo que ele expressou quando do lançamento dessa moeda em 1999. Ele acreditava que, tendo em vista a sua estrutura defeituosa, o euro não sobreviveria à sua primeira grande recessão econômica. O que faz com que seja muito provável que as dúvidas de Friedman em relação ao euro revelem-se corretas é o fato de que no decorrer desta década países situados na periferia da Europa não foram capazes, de uma forma consistente, de gerenciar as suas finanças públicas segundo as regras estabelecidas pelo acordo. Como resultado, orçamentos inflacionados e déficits de balanças de pagamento atualmente não são características exclusivas das economias grega, irlandesa e portuguesa. Em vez disso, e de uma maneira que não traz bons agouros, eles também caracterizam a Espanha, que está sendo apropriadamente descrita em Wall Street como “muito grande para fracassar, mas também muito grande para ser salva”. Em uma recente modificação importante de linha de raciocínio, os governantes europeus reconhecem agora que a reestruturação da dívida, embora só vá começar em 2013, precisará ser parte de uma solução para fazer frente aos grandes desequilíbrios fiscais dos países europeus periféricos. No entanto, eles ainda não reconheceram que a parte principal dos déficits fiscais dessa periferia é constituída de transações de pagamento “primárias” ou isentas de juros. Como resultado, mesmo quando têm sucesso em reduzir substancialmente as suas dívidas, esses países ainda permanecerão com déficits fiscais bastante substanciais que serão extremamente difíceis de se corrigir em um acordo envolvendo uma taxa de câmbio fixa. O já falecido economista norte-americano Herb Stein gostava de observar que se uma coisa não pode continuar para sempre, ela acabará parando. Esse aforismo parece ser particularmente apto para a atual situação da área do euro. Parece irrazoável esperar que os eleitores do norte da Europa, e especialmente os da Alemanha, concordem indefinidamente em transferir grandes quantidades de dinheiro de socorro ao sul do continente, na tentativa de manter os países daquela região à tona. E parece ainda mais irrazoável esperar que os eleitores do sul suportem indefinidamente o grave sofrimento econômico e social provocado pelo fato de continuarem sendo membros do clube do euro e as medidas de austeridade impostas pelo Fundo Monetário Internacional vinculadas ao financiamento que eles recebem do norte. Os governantes europeus entendem muito bem que uma onda de calotes da dívida soberana na periferia da Europa muito provavelmente precipitará uma crise bancária europeia generalizada, já que os bancos europeus são os principais detentores dos US$ 2 trilhões (R$ 3,4 trilhões) da dívida soberana da periferia. Isso indica que não é provável que os governantes europeus do norte fechem a torneira econômica que atualmente mantém a periferia europeia à tona. Entretanto, a julgar pela derrota esmagadora sofrida por Angela Merkel na eleição estadual da Westphalia em maio deste ano, considerações de ordem eleitoral provavelmente farão com que seja praticamente impossível dar continuidade a tal financiamento. O mais provável é que a própria periferia europeia desencadeie uma eventual derrocada do euro. Os governos grego, irlandês, português e espanhol mantêm, todos eles, um tênue domínio político em seus países. E, como os acontecimentos recentes na Irlanda parecem confirmar, um aprofundamento da crise econômica e financeira na periferia europeia poderia muito bem resultar na ascensão de governos populistas, que poderiam se mostrar menos dispostos a aceitar os programas de austeridade ditados pelo Fundo Monetário Internacional. Basta que nos lembremos do fim espetacular da paridade “imutável” da moeda argentina com o dólar estadunidense em 2001, após uma tentativa fútil de implementar um ajuste de déficit orçamentário de grande escala imposto pelo Fundo Monetário Internacional em defesa daquela paridade. Uma escalada da crise da dívida europeia representaria uma ameaça real à recuperação econômica dos Estados Unidos. Um euro enfraquecido prejudicaria seriamente as perspectivas de exportação de Washington. E o mais preocupante é que uma crise bancária europeia ameaçaria contaminar o resto do sistema financeiro global da mesma forma que ocorreu devido ao fiasco do Lehman Brothers em 2008. Com as nuvens mais negras de uma tempestade econômica se acumulando sobre a Europa, este não é o momento para que o governo dos Estados Unidos cogite acabar com as políticas de apoio à economia norte-americana. (Desmond Lachman é pesquisador do American Enterprise Institute e autor do livro “Can the Euro Survive?”/ “O Euro Será Capaz de Sobreviver?”, publicado pelo Instituto Legatum, de Londres, onde Dalibor Rohàc é pesquisador).

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